Publicação: 18/01/2022

 

A extração de direitos e as tragédias anunciadas

 

Nas últimas décadas, a história da mineração em Minas Gerais é marcada por tragédias sociais que se manifestam, por exemplo, na morte de centenas de trabalhadores, no desabrigo de cidadãos, nas centenas de famílias, casas, comunidades e propriedades destruídas, no deslocamento forçado das populações atingidas e nos graves comprometimentos ambientais e impasses econômicos.

O rompimento de barragens de rejeito de mineração no Estado não tem sido exceção mas uma regra, vide: Rio Verde, em Nova Lima (2001), Rio Pomba Cataguases, em Miraí (2007), Herculano, em Itabirito (2014), Samarco-Vale-BHP, em Mariana (2015) e Córrego do Feijão, em Brumadinho (2019).

Nunca é de mais recordar as vítimas laborais e os impactos e consequências nas bacias hidrográficas dos rios Pombas, Rio Doce e do Paranaíba, incluindo na qualidade do abastecimento d´água para consumo humano de milhões de mineiros, cariocas e capixabas, para a agropecuária, a indústria e outros negócios e empresas.

Todo esse quadro Dantesco é sempre, incrivelmente, classificado de “acidente imprevisível”. Porém, os verdadeiros crimes culposos (o Art. 18 do Código Penal Brasileiro indica como crime culposo “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”) nos fazem “campeões mundiais” na modalidade de rompimento de barragens: tanto pela frequência sistemática como pelo número de vidas humanas ceifadas e os gravíssimos impactos sociais.

As razões: políticas públicas inapropriadas, a falta de acompanhamento, controle e fiscalização, o desprezo pela vida e pelos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos e uma incompetência absoluta na defesa dos municípios e do meio ambiente.

Junte-se a esta situação o medo e a apreensão de milhares de trabalhadores “barrageiros” e de outros milhares de cidadãos que vivem diretamente sob risco nas áreas de mineração e nas comunidades lindeiras. Além de outros tantos que vivem a incerteza da perda de seu sustento tirado de lavouras e/ou outros negócios urbanos e rurais.

Hoje, Minas Gerias convive com mais de 38 barragens em risco nas áreas de mineração. Mais de 10.000 trabalhadores terceirizados trabalhando 12 horas por dia, em áreas insalubres, perigosas e de risco permanente.

Em novembro passado, duas torres de apoio em obras das barragens Forquilhas I e II (onde? Cidade), que estão em nível 2 de segurança, caíram. Em seguida veio o dique da Acelor Mital. Hoje a situação em Congonhas é um sinal que continua a regra de que “Choveu: pode romper”.

Como se não bastasse, em recente reunião pública, a Secretaria de Comunicação Social do Estado estimou que as milhares de notícias e informações sobre o tema em Minas Gerais, que foram difundidas no Brasil e no Mundo, tem impacto direto, altamente negativo e contribuíram para perdas de investimentos no Estado.

Esta, cada vez mais, claro que todos os rompimentos e tragédias são frutos da forma de produção sem qualquer tipo de planejamento, controle e fiscalização pública e/ou estatal.

A omissão dos poderes públicos e a irresponsabilidade predatória das empresas mineradoras tem a cumplicidade do atual governo, mas vem de décadas a falta de ações robustas de prevenção dos acidentes de trabalho e grandes desastres. Advindo hoje do boom no valor da comodities, e só ele, é quem tem determinado as ações das mineradoras – que atuam com a complacência e o silêncio cúmplice do Estado em todos os seus níveis.

Decorridos mais de seis anos do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, e de três anos do Córrego do Feijão, em Brumadinho, ainda se aguarda a apresentação e punição dos responsáveis, o amparo das vítimas e de seus familiares e a reparação de todos os atingidos.

Os altos índices de risco assustam e indignam a todos nas barragens em Nova Lima (nove) e Ouro Preto (oito), assim como duas estruturas em Barão de Cocais (com três barragens em situação de emergência). A Vale afirma que a situação em todas elas estão sob controle. Ou sejam, não se aprendeu nada: afinal, o mesmo foi dito pela Empresa e referendado pelo Estado, para Mariana e Brumadinho.

Assim sendo, é preciso exigir a mudança no padrão de produção minerária no Estado, a segurança nos ambientes de trabalho e no seu entorno e a democratização das relações internas nas empresas.

A aplicação da Norma Regulamentadora (NR) 22 do Ministério do Trabalho – que trata da Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração – visa tornar compatível o desenvolvimento da atividade mineira com a segurança e saúde dos trabalhadores e da população lindeiras – é um bom ponto de partida.

Enquanto segue a negligência estatal, há poucos meses foram negociados cerca de 38 bilhões de reais para reparações dos estragos feitos pela da Vale S/A no Estado. Sem transparência, nenhum real – isto mesmo: nenhum real – foi destinado a fiscalização, prevenção ou mitigação de acidentes com barragens.

As entidades sindicais do setor prepararam a emenda 177 ao Orçamento do Estado, encampada pelo deputado Celinho Sintrocel, para corrigir mais esta inexplicável negligência. Apresentada previamente ao MPT em Brumadinho, ao MP em Belo Horizonte, ao Governo do Estado e aos deputados; a proposta foi rejeitada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

As instituições têm se pautado em manter as disputas pelas indenizações e por uma atuação sempre voltada para remediar no lugar de prevenir. Ao que tudo indica, esta lógica parece ser mais lucrativa para todos – menos para o nosso povo. Enquanto isto as vítimas e os atingidos esperam a remediação e nunca vem.

Um bom exemplo é o das centenas de casas a serem construídas em Mariana para recolocar a comunidade de Bento Rodrigues: dessas apenas 10 ficaram prontas após 5 anos, e mesmo estas ainda não foram entregues. Porém, milhões e milhões de reais foram gastos na e pela Fundação Renova com pouca efetividade. Enquanto a Samarco volta a operar sem nenhuma mudança no processo de trabalho.

De maneira oposto ao que vem sendo feito, já passa da hora do Governo e de outras autoridades do Estado deixarem de monetizar as tragédias e agirem no sentido de frear definitivamente esta política destrutiva.

O minério, extraído legalmente ou não, não pode ser colocado acima dos interesses da população brasileira. Caso as mineradoras insistam em manter esta política antinacional e antipopular, desastrosa e criminosa, é preciso uma resposta direta e efetiva: a cassação do direito de lavra concedido pelo Estado Brasileiro. Assim, será possível limpar as lamas de Minas Gerais. Assim será possível sermos campões de bem-estar social.

Chega de crimes e de terceirização selvagem na mineração.

Eduardo Armond – Diretor do Siticop MG e da Rede Sindical de Barragens