Publicação: 15/02/2023
LIBERDADE E AUTONOMIA SINDICAL URGENTE
Como é de conhecimento do sindicalismo brasileiro, há sucessivas tentativas de alteração da estrutura sindical, seja por meio de Projeto de Emenda Constitucional (PEC) ou Projeto de Lei (PL). Também é objeto de nossa lembrança a criação do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) – que por objetivo, no que tange à estrutura sindical, defendia o fim da Unicidade Sindical, da Contribuição Sindical Compulsória, dos Sindicatos por Categoria e o enfraquecimento da Estrutura Confederativa – e em contraponto às ações do FNT, as condeferações criaram o Fórum Sindical de Trabalhadores (FST).
Das proposições legislativas referentes à organização e custeio sindical, de 1995 até 2019, em levantamento elaborado pela ZAC Consultoria Jurídica, foram identificadas 74 propostas com esse objetivo no Congresso Nacional, das quais 43 na Câmara dos Deputados e 31 no Senado.
Sem entrar no mérito e/ou no conteúdo, o que se destaca é um conjunto de proposições, diverso e contraditório, no qual, por si só, espelham que o ato legislativo, para este fim, teve e tem uma histórica e longa trajetória de divergências preditas em rivalidade e/ou disputas ideológicas ou sectárias, do que em se deter na urgente necessidade de uma convergência estruturadora da organização sindical com vistas à proteção real da classe trabalhadora, já tão atingida pelas contradições inerentes ao processo de desenvolvimento, seja em suas formas, condições e relações de trabalho. De modo que, se a antevisão crítica detectou pontos solidamente antissindicais e avessos à realidade sindical, ela também detectou como verdadeiro a resistência evocada à acolhida de demarcações importantes e necessárias ao sindicalismo. Novas proposições precisam dessa dupla antevisão, do contrário ao desmerecer esse esforço legislativo, criam obstáculos entre parlamentares e partidos ao invés de elos seguros entre eles para o fortalecimento da organização sindical.
Da referida proposta de anteprojeto de VALORIZAÇÃO E FORTALECIMENTO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA, ao que pudemos preliminarmente observar, houveram adequações conceituais ao Artigo 8º da Constituição e às alterações da CLT provocadas com a Lei 13467/17, evitando, assim, antever mudanças “explícitas” no texto Constitucional.
A CNTI, assim como outras confederações, federações, sindicatos e, também centrais, estiveram juntos na grande FRENTE AMPLA SINDICAL (sob risco iminente de ruptura), inclusive decisiva para pedagogicamente oferecer a base do que foi e é a FRENTE AMPLA DE PARTIDOS que, além de garantir a eleição do presidente Lula, também foi decisiva para impedir a configuração da tentativa do golpe de 08 de janeiro de 2023 e é fundamental para manter a governabilidade do país.
Além do que, jamais se pode perder de vista quem são os entes mais afetados, interessados e necessitados de que haja mudanças legislativas urgentes para conferir legitimidade, autonomia e vigor à ação sindical, e é isso que está acontecendo. Praticamente no afã de submeter as entidades de base à dependência e subordinação ao “órgão máximo de representação” (algumas centrais), cerceia-se o diálogo com a base. A efêmera possibilidade de uma consulta açodada torna-se uma ficção na qual a presença da força social sindical é irrealizada, portanto impotente para vislumbrar a presença coletiva real como sustentáculo da organização da classe trabalhadora, exatamente num momento de governabilidade tencionada, dependente de um diálogo organizador pela base, vital para um governo cuja sustentação é originária da classe trabalhadora.
Por acreditar que, de fato, “na diversidade sindical de visões e propostas” surge a possibilidade real para se delinear o sindicalismo laboral, cujas bases estruturantes selam sua importância histórica que precisa ser preservada, qualquer medida que não preserve “a redação atual do artigo 8º da Constituição”, ou induza à distorção de seu conteúdo, deve ser combatida. Por isso, promover “debate ouvindo os argumentos” sempre foi orientador de nossas ações, principalmente quando implica diretamente na organização da classe trabalhadora e/ou da sua representação.
Os “objetivos estratégicos” que preveem: negociação coletiva valorizada e fortalecida; sindicatos representativos; representação sindical ampliada; autonomia sindical para a organização e o financiamento; unidade fortalecida; autonomia para regular e operar o sistema de relações do trabalho; e o direito de negociação coletiva para servidores públicos, são prioridades relevantes a se perseguir, porém jamais se edificados numa intencionalidade com base contraditória ao que se propõe.
De modo que, pela sedução aparente do que se propõe, tornou-se vital apresentar às entidades sindicais filiadas e vinculadas à CNTI, uma síntese com a qual destacamos dez pontos compreendidos por nós como possíveis implicações da proposta de anteprojeto intitulado “Projeto de Valorização e Fortalecimento da Negociação Coletiva”, que, se não contido ou modificado cabalmente, pode drasticamente desestruturar a organização sindical brasileira a partir da inversão e/ou achatamento da pirâmide sindical laboral.
Vejamos:
1. Autonomia e liberdade sindical – a interferência do Estado se torna relativa e é sobreposta pela interferência hegemônica do monopólio sindical:
Primeiro, no caso laboral, entre as três maiores centrais que, por decisão cameral, ao autorregularem-se, regularão a estrutura sindical a partir de critérios e atos que definirão “as regras e forma de funcionamento do sistema de relações de trabalho entre as partes interessadas” (laboral e patronal);
Segundo, o ato negocial – maximizado ou anulado pelo “âmbito de negociação” no qual se mensura o critério de “representatividade” pode intervir quanto à entidade negociadora – pode se tornar instrumento ampliado de desconstrução daquilo deliberado em assembleia e conquistado em acordo coletivo, porque a convenção coletiva poderá sobrepô-lo, mesmo se o acordo for mais vantajoso à categoria representada;
Terceiro, a ruptura da autonomia e liberdade sindical é textualmente firmada ao fixar uma transição terminativa a parte significativa da estrutura sindical laboral, já que quando estrutura a “Organização Sindical” acaba por estabelecer “federação e confederações mantidas como parte da estrutura sindical no período da transição (10 anos) ”. Aqui se refere a um total de 452 federações e 40 confederações laborais ativas, às quais precipitam um atenuante para se manterem, ou seja, por subordinação ao “órgão máximo de representação”: “Quando fizer parte da organização de uma Central Sindical, sua existência e funcionamento depende da forma autônoma de organização da Central”. Enfim, por extinção ou subordinação, não há nem autonomia, tampouco liberdade sindical;
Quarto, ao que se pode observar, as centrais signatárias da proposição, ao idealizá-la, prescindem até mesmo de decisões do Comitê de Liberdade Sindical da OIT (2006, § 386-7), uma vez que a quebra de autonomia e a introdução de obstáculos à liberdade sindical são flagrantes e prescritos; além de se opor a dispositivos da OIT preceituados pelo referido Comitê, sequer antevimos “garantias possíveis contra uma ingerência indébita”, como, por exemplo: “a submissão das organizações de base à direita das organizações sindicais superiores, assim como a aprovação de sua constituição por estas últimas...”, de tal modo que, “constituem graves obstáculos a que os sindicatos possam exercer o direito de elaborar seus estatutos, organizar suas atividades e formular programas de ação.”.
2. Risco à negociação coletiva: quando se prevê no Sistema de Negociação Coletiva a “ordem de prevalência” negocial – convenção coletiva nacional / convenção coletiva setorial / acordo por empresa / acordo por setor da empresa –, principalmente ao definir que a “solução acordada é definitiva”, além da possibilidade de incorrer na quebra de autonomia sindical, como dito anteriormente, também, ao invés de a negociação ser um instrumento para solução de conflitos, fatalmente poderá provocar outros.
3. Sindicato como “base” do sistema de representação de interesse dos trabalhadores: é importante não perder de vista que é a base que sustenta qualquer estrutura e no caso sindical laboral, mais ainda. No entanto, aquilo que para a história sindical laboral sempre foi o basilar, a matriz organizacional da classe trabalhadora e de sua ação, pode se transformar numa base coadjuvante do sindicalismo. O sindicato autônomo terá sua dimensão de autonomia subordinada à decisão cameral. O que deixa explícito a preponderância das centrais sindicais nas relações de trabalho, do topo à base ou da base ao topo da pirâmide sindical, fazendo com que a estrutura confederativa (sindicatos, federações e confederações) venha a se tornar um apêndice, um departamento, um compartimento, um aparelho que poderá ser ou não acionado.
4. A flexibilidade para as partes interessadas definir novos âmbitos de negociação: as alçadas decisórias de representação instadas nas “Câmaras Autônomas de Trabalhadores e de Empregadores” serão as partes, de fato, com autonomia e liberdade, para definir o que, quando, como, onde e quem irá negociar.
5. Categoria: ao que se propõe resta evidente uma adequação da conceituação, pois equipara categoria a ramos ou setor de atividade econômica. Ou como no texto: “Categoria é agregação dos trabalhadores por ramos ou setor de atividade econômica.”. Assim, entidades sindicais que representem trabalhadores de categorias diferenciadas ou que trabalhem por consequência de condições de vida singulares, têm sua condição de representação ameaçadas caso não abram mão de sua autonomia e liberdade sindical e/ou se subordinem ao impositivo da agregação forçada.
6. Unicidade: como observado, o ato negocial pode adquirir tônus de abrangência que desregula a autonomia das entidades de base, seja ao flexibilizar “os âmbitos de negociação” ou ao fixar a “ordem de prevalência” negocial. Consequentemente, se em conceito foi dado e reconhecido o vigor (histórico) da unicidade, na prática o ato negocial a coloca em risco iminente; com a abrangência turbinada, onipresente e onisciente, de cima a baixo, é a pluralidade que, de fato, prevalecerá, porque as bases não serão respeitadas; sobretudo ao se partilhar, liberalizar e conceder a tutela de escolha e comando ao empresariado para definir com quem, onde, quando e como negociar.
7. Estrutura Confederativa: atualmente esta estrutura, considerando-se a parte laboral, reiteramos que ela é composta por um total de 452 federações e 40 confederações laborais ativas, que, como já mencionado, caso se consuma a referida proposta de anteprojeto, findo o período de “transição”, sela-se o fim da Estrutura Confederativa, mas da laboral, que por extinção ou por sujeição à subordinação orgânica ao “órgão máximo de representação”, será subsumida à condição de aparelho pendular na estrutura das centrais que ora pode ser ativado ora desativado. Diferentemente, a estrutura confederativa patronal será ainda mais fortalecida ao se confiar maior legitimação ao poder empresarial nas relações de trabalho, ao se conferir mais autonomia e liberdade sindical aos seus atos. Quando se extingue a paridade representacional da estrutura confederativa, solidifica-se estrutura do poder sindical orientada a um só plano de representação, o patronal.
Ao plenificar a consolidação do plano de representação patronal de modo hegemônico como confederativo único, suprimindo o plano confederativo laboral, a paridade legal é extinta, com isso também se prescinde das prerrogativas e dos direitos instituídos na órbita genética da estrutura confederativa, o que, automaticamente, serão destinados ao poder e fortalecimento da organização sindical empresarial.
8. A agregação realizada entre duas ou mais entidades impede nova fragmentação: na forma adesiva à transição e “incentivada” pode se tornar uma realidade, afinal são formas de agregação, em essência e semelhança, já normatizadas e vigentes, inclusive estatutariamente numa diversidade de entidades sindicais, no entanto, na forma descrita no anteprojeto, induz ao impositivo de nulidade tanto da autonomia quanto da liberdade, pois inexiste opção real da livre escolha. A própria transição e previsão de “regra para processos de agregação para tratar de mandatos, estabilidade, patrimônio etc. das entidades e dirigentes envolvidos”, podem ser vistas como pulsões de insegurança e danação com expectativas presumíveis para a geração de conflitos.
9. Densidade sindical – representatividade e representação: a “representatividade e representação como fonte de poder coletivo”, tornam-se designativo determinante para a manutenção da ação sindical, porém em um patamar que pode afetar a ação sindical até de entidades com alto índice de atividade e filiação. A legitimidade para a prática integral do ato sindical pela base poderá ficar comprometida dependendo de sua localidade e/ou região geográfica, seja nacional ou estadual.
Os detentores da prevalência negocial, com impacto dominante pelas bases, poderão se restringir aos sindicatos situados em grandes centros metropolitanos, de produção e/ou serviço. Com isso, independentemente de a entidade atingir níveis favoráveis de atuação ou filiação, corre-se o risco de ao se considerar a “relação complementar entre representação e representatividade” para aferir a densidade sindical, que o quantitativo locacional de trabalhadores prevaleça em detrimento do poder político emancipatório efetivado na atuação e filiação sindical compromissada.
10. Impasse negocial e solução de conflito: na forma descrita se tornam aditivos cediços à prevalência do negociado sobre o legislado, com flagrante incentivo à deposição do papel preventivo e histórico da proteção social de direitos e condições de trabalho por parte da Justiça do Trabalho.
Na expectativa de uma contribuição mais assertiva à organização sindical, a CNTI, visando contribuir com atalhos já bem pavimentados no Congresso Nacional, apresentaremos, ainda no decorrer deste mês, alternativas que além de abreviar o ato legislativo, também o valorizam e dão o real significado, sentido e dimensão do papel da estrutura confederativa (integral) no sindicalismo brasileiro.
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