Publicação: 23/09/2025

 

 

Batalha pela Fiscalização: Manobra de Gigantes da Mineração Ameaça a Segurança do Trabalhador

 


Foto: Divulgação


Por Mauro Armindo Filho, advogado da CNTI


Em uma manobra jurídica que acende um alerta sobre a proteção dos trabalhadores no Brasil, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) ingressou com uma ação judicial para retirar do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a competência de fiscalizar as condições de trabalho no setor, transferindo-a para a Agência Nacional de Mineração (ANM). A ação, vista por especialistas como um perigoso desvio de finalidade, ocorre em meio a um grave escândalo de corrupção que abala a cúpula da ANM, levantando sérias questões sobre a capacidade e a isenção da agência para zelar pela segurança dos trabalhadores.


A ofensiva do IBRAM, que na prática atua como um sindicato patronal e como um poderoso lobby para as gigantes da mineração, foi prontamente contestada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que solicitou sua intervenção no processo como assistente da União. Em sua petição, a CNTI argumenta que a medida representa uma "tentativa de fragmentação do sistema nacional de proteção ao trabalho na mineração, com graves consequências para a segurança jurídica dos trabalhadores e para a efetividade da fiscalização trabalhista".


Para a confederação, a ANM não possui a expertise nem a estrutura necessária para garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores, uma atribuição histórica e constitucional do MTE. A CNTI relembra as tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que ceifaram centenas de vidas, como exemplos trágicos da fragilidade na fiscalização do setor. Em Brumadinho, cerca de 92% das vítimas eram trabalhadores, o que evidencia a centralidade da proteção no ambiente de trabalho.
 

O Desvio de Finalidade e o Lobby das Mineradoras

A ação do IBRAM é criticada por seu claro desvio de finalidade. Em vez de atuar como instituto de pesquisa na defesa dos interesses do setor de forma ampla e responsável, o instituto parece agir como um braço das mineradoras para flexibilizar as normas de segurança e reduzir os custos com a proteção dos trabalhadores. A tentativa de transferir a fiscalização para uma agência com notória fragilidade estrutural e recente histórico de corrupção soa como uma estratégia para enfraquecer o controle sobre as atividades do setor.


ANM: Um Órgão em Meio ao Caos

A pretensão do IBRAM torna-se ainda mais alarmante diante do recente escândalo que culminou na prisão de um diretor da ANM, Caio Mário Trivellato Seabra Filho, em uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema bilionário de corrupção, fraudes em licenças ambientais e lavagem de dinheiro. A "Operação Rejeito" revelou um esquema de propinas que facilitava a exploração ilegal de minério em áreas de preservação.


Relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) já haviam alertado para a "alta exposição da ANM a fraudes e corrupção". Em auditorias de 2018 e 2022, o TCU apontou "deficiências na transparência, gestão de riscos e controles internos". A situação é agravada por um déficit crônico de pessoal: em 2022, havia apenas 38 servidores para fiscalizar 911 barragens em todo o Brasil. Essa carência de pessoal, segundo o TCU, resultou em uma perda de arrecadação de cerca de R$ 4 bilhões entre 2017 e 2021, com a falta de cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).


A chamada "porta giratória", prática em que ex-funcionários de mineradoras assumem cargos de direção na agência, também é apontada como um fator que compromete a isenção do órgão regulador. A fragilidade da ANM é tamanha que sua própria Corregedoria admitiu em relatório ser "impossível fazer frente às solicitações de investigações que chegam".


Diante deste cenário, a tentativa do IBRAM de transferir a fiscalização da segurança dos trabalhadores para a ANM não apenas ignora a realidade de um órgão em crise, mas também representa uma ameaça direta à vida e à integridade de milhares de trabalhadores do setor de mineração. A batalha judicial que se desenrola em Brasília é, portanto, um capítulo decisivo na luta pela preservação de um ambiente de trabalho seguro e digno no Brasil.