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Publicação: 14/11/2025
O Brasil
na encruzilhada: o assalto ao Estado, a
soberania em xeque e o sentido da
República
Enquanto forças internas e externas
promovem o desmonte, a resistência da
classe trabalhadora se torna a última
trincheira da democracia e dos direitos

por José Reginaldo Inácio
Vivemos um momento de persistentes
tentativas de erosão do Estado
brasileiro. Não se trata de uma crise
passageira, mas de um projeto político
que há décadas persegue o desmonte. O
que testemunhamos são esforços
ininterruptos dos reacionários e
neoliberais pela implosão da máquina
pública, da própria República,
transformando o Estado – que deveria ser
o garantidor de direitos e o promotor do
bem comum – em um ente falido em sua
missão primordial.
Este Estado falhado, como bem apontam as
reflexões que compartilho, desorganiza a
proteção social e destrói a estrutura
pública. Adota uma pedagogia de
Herodes, corroendo as bases da
dignidade humana. Quando o aparato de
segurança pública é tutelado pelo crime
e a corrupção se torna uma marca
estrutural, a vida da população,
especialmente a mais pobre e
trabalhadora, perde valor. Negar
direitos fundamentais é o primeiro passo
para a eliminação simbólica e física de
cidadãos, como ocorreu na mais letal
chacina, de 28/10, nos complexos do
Alemão e da Penha, conjuntos de favelas
na zona norte da capital fluminense –
uma operação que se vestiu com a mesma
narrativa de “guerra ao narcoterrorismo”
utilizada para justificar políticas
genocidas, como as de Israel apoiadas
pelos EUA, e as investidas de Trump
contra a Venezuela. Esta retórica,
importada e aplicada por figuras como
Cláudio Castro e seus apoiadores, serve
como licença para o extermínio,
tornando-se um instrumento de morte que
aniquila o interesse coletivo. Neste
cenário, as decisões políticas perdem
totalmente o valor, pois além de não
refletir o interesse coletivo, faz pior,
o extermina, coloca em xeque o próprio
sentido da República, sua
proclamação – 15 de novembro –, como
mera efeméride esvaziada, enquanto seus
Poderes são tornados inúteis.
A chamada “Reforma Administrativa” é a
face mais perversa desse projeto. Ela
não visa eficiência, mas a ruína da
estrutura estatal até suas bases. Ao
sinalizar o serviço público como um mal
a ser extirpado, promove-se o desmonte e
a privatização do próprio Estado. Isso
nos empurra para a inutilidade do
processo político e da democracia,
esvaziando o sentido da participação na
vida pública. Neste contexto o Estado se
transforma, assim, em uma agência
reguladora funcional para o crime
organizado, a cada dia mais travestido
entre e como a parte pérfida da elite
empresarial e dominante, que dizima,
saqueia e explora nosso povo e nosso
território. Fraudar, sonegar, traficar,
devastar, mutilar e matar tornam-se atos
de subserviência a um “deus mercado”
desumano.
O tabuleiro geopolítico: Onde o
Brasil se encaixa nesse Jogo?
Estes esforços pelo desmonte não ocorrem
no vácuo. Eles são cruciais para
entender o contexto geopolítico que
influencia e é influenciado por essas
escolhas. A retórica do narcoterrorismo,
por exemplo, não é um fenômeno isolado:
é uma ferramenta geopolítica
legitimadora de agressões, desde a
política genocida de Israel – apoiada
incondicionalmente pelos EUA – até as
tentativas de invasão e desestabilização
da Venezuela. No Brasil, essa mesma
narrativa é ecoada para justificar
operações de extermínio, como a de
28/10, alinhando taticamente segmentos
do Estado brasileiro a um projeto
imperial de controle e supressão.
Neste cenário, um dos epicentros opacos
das disputas contemporâneas é a guerra
pelos recursos naturais estratégicos. A
correlação de forças entre EUA, China e
Rússia – com a Ucrânia sendo um palco
dessa disputa – e o interesse das
potências petrolíferas e mineradoras
giram em torno do controle de minerais
críticos, como as terras raras, e das
reservas de petróleo. A Venezuela, com a
maior reserva petrolífera do mundo, é
alvo constante precisamente por isso. O
Brasil, dotado de imensas reservas de
minerais estratégicos, petróleo do
pré-sal e um território continental,
encontra-se no centro deste tabuleiro. A
soberania nacional é, portanto, a linha
de frente: a desestabilização política e
o desmonte do Estado são pré-condições
para que se entregue esse patrimônio à
pilhagem das grandes potências e
corporações, transformando nossa riqueza
em mero combustível para suas guerras e
lucros, enquanto nos deixam o rastro de
destruição.
Os Estados Unidos, em sua disputa
estratégica global, buscam
reindustrializar sua economia. Esta
movimentação, embora crie tensões
comerciais, também sinaliza a
valorização da indústria e, por
consequência, do trabalho formal. É um
contraponto à financeirização extrema,
mas é uma disputa pela hegemonia
tecnológica e industrial, na qual o
Brasil não pode ser mero coadjuvante ou
colônia.
Do outro lado, a China aprofunda suas
relações na América do Sul, com
investimentos em infraestrutura e compra
de commodities. Essa relação é ambígua:
gera receita, mas pode nos aprisionar em
um papel de exportador de recursos
primários, reprimarizando nossa economia
e fragilizando nossa indústria de valor
agregado. A dependência excessiva é um
risco à nossa soberania industrial e à
qualidade dos empregos.
Nosso vizinho ilustra o extremo dessa
equação. A Argentina, segue em um
período de forte “ajuste” (neo)liberal,
buscando destruir políticas de proteção
social e reindustrialização. É um
laboratório vivo dos efeitos
devastadores do fundamentalismo de
mercado e da subsequentemente tentativa
de correção de rota.
O Brasil, neste tabuleiro, está no
centro da disputa. Se nos guiarmos pela
opção de desmonte do Estado e pela venda
do patrimônio público, nos alinharemos a
um projeto subserviente, que nos condena
a ser um mero fornecedor de recursos
para as potências, sem gerar
desenvolvimento interno e bons empregos
para o nosso povo.
A resistência como
projeto: a classe trabalhadora na
vanguarda da reconstrução
Diante desse cenário desolador, a luz no
fim do túnel vem da organização e da
luta da classe trabalhadora. Os avanços
que tivemos recentemente – fruto de
intensas mobilizações de trabalhadores
da iniciativa privada e servidores
públicos –
mostram o caminho.
A luta pela redução da jornada de
trabalho, pelo fim da escala desumana
6x1 e a recente conquista da isenção do
Imposto de Renda para quem ganha até R$
5.000,00 não representam apenas uma
agenda organizada contra retrocessos ou
meras conquistas materiais. São a
reafirmação de que a política pode e
deve servir ao povo. São a prova de que
a guinada política para a esquerda,
quando ancorada nos movimentos sociais e
sindicais, é capaz de frear a barbárie e
recolocar o Estado a serviço da maioria.
É urgente intensificarmos essas
mobilizações. A unidade entre os setores
público e privado é fundamental. O
servidor não é o inimigo; é o professor,
o médico, o agente de fiscalização que
garante que os direitos, mesmo os
conquistados na iniciativa privada,
sejam respeitados. A luta por um Estado
forte não é pela manutenção de
privilégios, mas pela garantia de que a
saúde, a educação, a segurança e a
infraestrutura cheguem a todos, criando
um ambiente onde a indústria possa
prosperar com emprego e renda de
qualidade.
O Brasil que queremos não é um Estado
falhado, servil aos interesses do
mercado internacional. Também não é um
Estado autoritário e ineficiente. O
Brasil que lutamos para construir é uma
nação soberana, com um Estado
democrático e social, forte e indutor do
desenvolvimento, que regula a economia
para que esta gere riqueza com justiça
social. A trajetória para esse país
passa, inevitavelmente, pela valorização
do trabalho e pela defesa intransigente
de um Estado a serviço do povo. Esta é a
nossa trincheira e a nossa esperança.

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